A clara constatação que atrás fixei implica, desde logo, que se procure responder a uma questão óbvia: Como é que chegámos aqui? Nós, Portugueses, que há 38 anos transformámos um justificado movimento militar, numa fecunda revolução democrática; que restaurámos profundamente a Democracia; que construímos a Paz, reconhecendo o direito à Independência a todos os Povos que, imperialmente, dominávamos; que soubemos construir uma Constituição progressista, promotora de maior justiça social; que criámos um Serviço Nacional de Saúde que estancou as muitas mortes precoces que existiam em todas as faixas etárias e aumentou substancialmente a esperança média de vida; que criámos um Sistema Educativo geral e democrático, que transformou, em trinta anos, o panorama da educação e da formação no nosso País; que soubemos promover uma muito séria valorização cultural de todo o País; que conseguimos criar órgãos democráticos institucionalmente credíveis, como são as Autarquias Locais e as Regiões Autónomas, como é que fomos capazes de deixar que tudo o que referi estivesse agora, como está, em causa?
Chegámos aqui porque consentimos, desde há 35 anos, que fosse promovida pelos sucessivos governos do PS, PSD e CDS, sozinhos ou associados uns com outros, uma política de direita, marcada pela sucessiva e permanente abdicação de soberania, pela crescente obstrução de direitos essenciais, pela permanente desvalorização e destruição das capacidades produtivas básicas instaladas, pela crescente construção de clientelismos económicos muito poderosos, pela permanente assumpção de medidas facilitadoras da concentração de poder económico e pelo enorme esforço, sempre feito, de limitar e diminuir uma verdadeira participação dos cidadãos na vida política e social.
Depois desses 35 anos de políticas de direita, estava o caminho aberto para que o grande capital internacional tentasse o que ainda não tinha conseguido de modo significativo e estável e que é, exactamente, a implementação de um modelo reaccionário onde as comunidades não contam e onde as pessoas só contam como números que têm que produzir a muito baixo custo. A crise financeira internacional foi o momento escolhido para lançar esta monstruosa contra revolução, que tem como caras europeias centrais Merkel e Sarckozy, mas que tem como cúmplices activos todos os principais dirigentes socialistas europeus, principalmente os que exerceram o poder e deram, sempre, continuidade às políticas europeias de direita. As caras portuguesas mais destacadas deste processo são as de Cavaco, com os seus dez anos de “modernismo” direitista de reforço do poder do capital, de Sócrates, com os seus seis anos a escavacar as capacidades nacionais e de Passos Coelho, que tal como o matador das touradas, está a tentar nos dias de hoje meter a faca no cachaço do País!
Nós, Portugueses, temos que reagir e temos que lutar, com firmeza, pela reposição dos valores do 25 de Abril!
Não podemos consentir que, neste Mundo hoje mais rico do que há 38 anos, seja instalado um sistema político e económico deliberadamente concebido para concentrar e tornar absoluto o poder invisível, efectivamente exercido pelo grande capital, que se auto crismou como “os mercados”.
Não podemos aceitar que exista um poder político que se arrogue o direito de, pela prática, esmagar a Constituição da Republica e anular direitos fundamentais, chantageando todo um Povo com a “alegação” de que não há outros caminhos.
A verdade, porém, é que há outros caminhos. Lembro-me bem que, há dez anos, houve quem dissesse que a criação de uma moeda única, concebida à imagem do Marco alemão, teria como consequência, a prazo, a hegemonia económica daqueles que exigiam essa moeda forte. De facto hoje, quando se sabe que o superavit alemão é igual ao somatório do deficit de todos os outros, não é difícil concluir que o PCP tinha razão quando combateu a entrada no euro.
Os outros caminhos de que falo exigem outras políticas; exigem a rejeição do pacto de agressão que nos oprime; exigem o urgente aumento da produção nacional e o fim da política recessiva que, deliberadamente, nos empobrece; exigem a valorização dos trabalhadores e do trabalho; exigem a utilização dos recursos financeiros no financiamento da economia, especialmente, na consolidação das pequenas e médias empresas; exigem o imediato termo dos processos em curso de enfraquecimento e desarticulação do Serviço Nacional de Saúde, do Sistema Educativo e dos Sistemas de Segurança Social.
Esses outros caminhos, para serem construídos, obrigam ao empenhamento de todos: dos trabalhadores por conta de outros, no activo ou desempregados; dos reformados; dos empresários que têm crescentes dificuldades em manter as suas empresas; dos intelectuais e quadros que têm que combater, com veemência, o enorme esforço que está a ser feito para que exista um “pensamento único”, neutralizador de avanços progressistas; dos jovens, cada vez mais impelidos a emigrar. Esses outros caminhos exigem sacrifícios e determinação a toda uma sociedade enganada e assustada por esses que, fanaticamente, querem evitar a justiça social, a democracia plena, os equilíbrios económicos e sociais e a promoção cultural dos Povos.
Retomar os Valores de Abril será possível se soubermos valorizar o 25 de Abril todos os dias e em todos os lugares, se trabalharmos para ganhar força social e política que seja realmente transformadora, se formos à luta contra esta “invasão sem tropas” que o nosso País é alvo. A União Europeia que pode servir os Povos da Europa não é esta que o grande capital está a construir. Os valores de Abril é que terão que ser a base da regeneração da democracia portuguesa e a base da participação de Portugal na União Europeia e em organismos internacionais do resto do Mundo.
È por tudo isto que temos que lutar, sem desfalecimentos, nem rendições.
Artigo de opinião de José Decq Mota, publicado em 27 de abril de 2012