Apesar das suas subidas, tal como aconteceu a nível nacional, também nos Açores este ano, excetuando no IRS (porque neste caso a descida foi transferida diretamente para os rendimentos do trabalho…), houve menos dinheiro arrecadado de impostos, e não é pouco. Garantido está também menos dinheiro comunitário no próximo quadro de apoio, e a diminuição já anteriormente prevista das transferências do OGE. Várias tentativas simultâneas, estas de legalidade discutível senão mesmo ilegítimas face ao enquadramento institucional da Autonomia, estão também sendo ensaiadas por parte do governo da República, para agravar ainda mais o quadro de extorsão e golpeamento financeiro do orçamento regional. A título de exemplos veja-se o que se passa com as despesas do Serviço Nacional de Saúde cobradas à Região, o cabo de fibra ótica, a (ex-) RTP/Açores, a Universidade dos Açores, a formação profissional na PSP, e por aí adiante…a ponto de, na mesma linha das recentes declarações do constitucionalista João Bacelar Gouveia (na Madeira), ser legitimo supor estar-se porventura a assistir a cortes orçamentais seletivos às Regiões visando deliberadamente o objetivo de esvaziar o próprio conceito da Autonomia Constitucional, com vista à restauração do centralismo político-administrativo de outros tempos.
Se no seu congresso promocional da candidatura às próximas regionais o PSD preferiu trocar o paradigma institucional e real da Autonomia por uma panaceia que dá para tudo e para nada ao mesmo tempo, chamada “região económica”, e com ela se propõe resolver os problemas dos açorianos, já o PS, na sua recente conferência promocional da candidatura, para o mesmo fim, optou por uma outra figura, igualmente genérica, a “agenda açoriana”…
Não estou demasiado preocupado com as diferenças entre um e outro conceito, e certamente as haverá, estou preocupado sim é com a semelhança da atitude política que a opção de ambos pelo imaginário e generalista, em detrimento do palpável e concreto adquirido autonómico e da Autonomia tal qual está regulamentada e institucionalizada, poderá querer dizer no futuro.
Desde logo, e tendo em conta o estrangulamento financeiro e o comportamento já explanado do governo da república para com os Açores, essa opção retira credibilidade a muitas das garantias eleitoralistas todos os dias avançadas pelos candidatos do PS e do PSD, seja por falta de sustentabilidade orçamental (restrições financeiras futuras, de momento imprevisíveis) ou de sustentabilidade político-jurídica (assunção pela Região de encargos da responsabilidade da República).
Mas também, o que é mais preocupante, poderá significar para os Açores, tal como já aconteceu na Madeira, o princípio do fim (atualmente quase suspenso) do relacionamento institucional normal, entre a Região e a República, por força da Autonomia, do seu Estatuto e da sua Lei de Finanças, e o ensaio da substituição destes, não por qualquer outra panaceia mas pela ressurreição pós-Outubro (por morte transitória e conveniente durante o período eleitoral) da assinatura concreta de um memorando tipo troikista de submissão regional entre o futuro governo açoriano e o atual governo da República.
Tal cenário, altamente indesejável, seria no entanto o mais provável caso se formasse nos Açores um governo PSD ou PSD/CDS. Mas, em caso de nova maioria do PS, nada garante que isso não possa também acontecer. Daí que, para defender a Autonomia no parlamento, seja essencial que, pela não obtenção de uma maioria absoluta de deputados por qualquer das forças nele representadas, Passos Coelho se veja obrigado a negociar, nos Açores, com todas elas, e não apenas com um governo sustentado na Assembleia Legislativa por mais de 50% dos deputados de um só partido ou coligação…
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 5 de julho de 2012