Opinião

mario_abrantesEnquanto na Grécia, com eleições antecipadas à vista já para este mês, o governo, num ato de aparente rebeldia patriótica, anuncia que recorrerá aos tribunais internacionais para obrigar a Alemanha a pagar o que ainda deve de reparações da IIª Guerra Mundial (162 mil milhões de euros), ou se assiste a um debate eleitoral em que as questões da ordem do dia são a eventual saída do Euro e a recusa das políticas de austeridade, desafiando o pensamento único ou o domínio europeu da oligarquia merkeliana;

Enquanto no Reino Unido, com eleições em Maio, a principal questão em debate pré-eleitoral é a possível saída da Inglaterra da UE;

No nosso país, arrasado por políticas sociais e económicas contrárias aos interesses do seu povo, perpetradas ao longo de mais de 30 anos tanto pelo PSD atualmente no poder (com a ajuda do CDS), como pelo PS (com ou sem a ajuda do PSD ou do CDS), o que temos é um governo e um Presidente da República com fortes responsabilidades anteriores e atuais pelo estado de arrasamento a que chegámos, sacudindo essas responsabilidades para cima de outrem, e totalmente submissos ao diretório germano-europeu.

No nosso país o que temos dos últimos três anos de exercício de políticas serventuárias da oligarquia financeira, é uma recessão acumulada de 6%, mais 28% de milionários, a corrupção instalada nos poderes político e judicial, a subida de 2 para quase 3 milhões de pobres (taxa de pobreza atual: 24,7%. Mais de 30% no caso das crianças), o sufoco autonómico, o IRS que subiu em média 43%, uma dívida pública que atinge os 134% do PIB, 80.000 funcionários públicos a menos (o dobro do previsto no memorando troikista), com acentuadas quebras na prestação dos serviços públicos especialmente ao nível da Saúde (atente-se ao inadmissível escândalo dos hospitais), da Educação e da Segurança Social, 70.000 empresas falidas, ao lado da quebra generalizada e estrutural da produção, 100.000 emigrantes por ano entre os quais milhares de enfermeiros a custo zero para os países de destino, e 83.000 idosos (só em 2014 foram 52.000) a quem, sem ninguém saber como nem porquê, foi retirado o complemento solidário de pensão.

No nosso país, sem sequer um trejeito de inquietação da parte do poder político com uma tal situação aviltante e indigna para todo um povo assim submetido a ditames externos, ainda vem a troika, através de um relatório recente da Comissão Europeia, exigir para 2015 a continuidade do desmantelamento dos instrumentos de contratação colectiva e da desregulamentação laboral, ou rebelar-se contra o aumento do salário mínimo nacional (que não livra do limiar da pobreza a vida de cerca de 500.000 trabalhadores) demonstrando que pela sua vontade e com a cumplicidade ativa do governo português e do Presidente da República, a política de saque ao povo e ao país é para prosseguir.

Mas em Portugal também vai haver eleições em 2015. Soluções elementares como a reposição dos cortes nas prestações sociais e dos direitos económicos dos cidadãos, uma política fiscal virada para a criação de emprego, o fim da alienação e mesmo a recuperação dos bens públicos, o fim dos benefícios às grandes empresas, a limitação do poder do sector financeiro e dos dirigentes dos grandes grupos económicos, a renegociação da dívida e a recusa da aceitação cega do Tratado Orçamental implicam uma alteração da correlação de forças na Assembleia da República que ponha fim à atual maioria e seja capaz de suportar um outro governo e uma política diferente e soberana. Quem prossegue este objectivo não poderá simplesmente esperar pelos resultados eleitorais, seja nos Açores, seja na Madeira ou no Continente português terá de intervir e agir na medida das suas possibilidades para construir esses resultados ao longo do ano de 2015...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 10 de janeiro de 2015

mario_abrantesAs estatísticas comprovam ter havido em 2014 menos gente que em 2013 a ouvir a mensagem natalícia do primeiro-ministro português. Correndo o risco de estar publicitar a imagem de quem merece da parte dos portugueses cada vez menor consideração, não poderia todavia, devido ao cargo que o sujeito em causa ainda ocupa, deixar de me referir à sua intervenção no respeitante às perspetivas avançadas para o novo ano que agora se inicia.

E na busca da originalidade, talvez ansiando por não perder audiências, o primeiro-ministro resolveu embrenhar-se pelos meandros da meteorologia revelando, qual versão boletinesca de Nostradamus, que poderemos todos contar com um horizonte para 2015 livre de "nuvens negras"...

Estaria o primeiro-ministro a referir-se à garantia estatística de que a já incomportável dívida pública continuará a subir em 2015? Ou que a troika (Comissão Europeia, BCE e FMI) continua viva e a reafirmar-se no direito de pressionar o País por mais sacrifícios para o novo ano?

Mas previa ainda para 2015 que Portugal entraria numa "nova fase...com cada vez mais confiança no futuro".

Estaria o primeiro-ministro a referir-se à continuidade, garantida pelo OGE, do desinvestimento público na saúde, na educação e na segurança social, da continuidade das privatizações ou da desregulamentação e precarização laboral?

Dizia que no novo ano todos iríamos sentir maior alívio fiscal devido à "reforma do IRS" e à recuperação de rendimentos.

Estaria o primeiro-ministro a referir-se à garantia da entrada em vigor em 2015 dos novos impostos da fiscalidade verde, à subida do imposto sobre os combustíveis, à subida do IMI, ou à subida da electricidade? Ou aos novos contratos emprego-inserção que disfarçam o desemprego e representam salários de miséria financiados com fundos públicos?

E continuava, insinuando que poderemos ficar todos descansados em 2015...desde que "os eleitores não deitem tudo a perder".

Terá esta conversa algo a ver com as preocupações perante as "incertezas internas associadas às eleições legislativas" que manifestou uma semana antes, numa clara escorregadela totalitária de quem convive mal com eleições livres? Tal como aconteceu agora com o FMI e as agências financeiras em relação às eleições antecipadas na Grécia?

Ou o "tudo que os eleitores podem deitar a perder" tem mais a ver (consoante estatísticas recém-publicadas pelo INE) com a evolução da situação em Portugal de 2011 a 2014, sob supervisão da troika, em que esta e o governo cúmplice do primeiro-ministro tiraram 5,8 mil milhões de euros aos salários dos trabalhadores portugueses (6,9% menos) para, sob a forma de dividendos, rendas, lucros ou juros, transferirem mais 4,4 mil milhões de euros (36% mais) para os rendimentos do capital?

Sendo este o caso pois então, para que se dissipem as "nuvens negras" no horizonte de 2015, será necessário que os eleitores dêem um voto de absoluta desconfiança à competência meteorológica do primeiro-ministro e deitem mesmo tudo a perder de forma a ficarmos livres dele, do seu governo, mas também das suas políticas, com e para além da troika...

Os meus sinceros votos dum Feliz Ano Novo tanto para os leitores, como para a direcção e os trabalhadores do Diário dos Açores.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 1 de janeiro de 2015

mario_abrantesOcorre-me este título a propósito das palavras acertadas do presidente da Caritas Eugénio Fonseca em entrevista recente concedida ao Jornal Público, tendo como pano de fundo a época natalícia que atravessamos. Dizia ele que este sistema capitalista só valoriza o que tem preço, procura descartar as crianças e os idosos porque não dão lucro e aponta o dedo ao povo, colocando pobres contra pobres, quando pretende generalizar a ideia de que quem recebe subsídios ou ajudas do Estado é malandro. E assim, cortando nesses rendimentos, o sistema colocou em risco de pobreza ou de exclusão social uma em cada três crianças portuguesas. Na verdade o capitalismo monopolista e a sua ideologia neo-liberal de suporte consideram que os investimentos feitos na Segurança Social, e também na Educação e na Saúde, são despesa e, como tal, deverão ser reduzidos ao mínimo.
O capitalismo monopolista põe uns no poder a servi-lo e depois, como forma de nele se perpetuar utilizando a via eleitoral, procura convencer os eleitores que todos os cidadãos politicamente ativos e todos partidos defendem essencialmente o mesmo, são igualmente responsáveis pela crise e prosseguem os mesmos objetivos contrários ao espírito de Natal de que falava o Presidente da Cáritas. Para isso recorre em particular aos meios de comunicação social cuja maioria controla financeiramente. O último e flagrante exemplo desse comportamento partiu do mesmo jornal que entrevistou o presidente da Caritas, insinuando que um dos mais reconhecidos intervenientes na luta anticapitalista e antimonopolista, o partido comunista, tinha recebido, por via da Festa do Avante, um donativo de 11.000 euros do BES. A notícia revelou-se falsa (e prontamente desmentida de forma factual pelo alvo da tramóia), mas nem por isso os objetivos que lhe estavam subjacentes deixaram de ser atingidos já que para muitos a notícia passou como verdadeira porque, entre a mentira e o desmentido, apenas a primeira foi apresentada em letras gordas...
O capitalismo e a sua ideologia neoliberal enquanto dividem ou distraem desta forma as atenções das pessoas, alimentam a corrupção e dela se alimentam, vão despedindo ou vão explorando quem trabalha e comendo o país produtivo às fatias (Angola fica com a Galp, a Espanha com a Somague, a Alemanha com a Auto-Europa, a Inglaterra com os CTT, a França com a ANA e também a PT, a China com a EDP, o Brasil com a Cimpor e os EUA com a Tranquilidade). A TAP está já a ser empratada para seguir para a mesa dos insaciáveis...Enriquecem os ricos, semeando pobreza. Por exemplo os milhões das luvas do negócio dos submarinos recebidas pela família Espírito Santo beneficiaram de uma amnistia fiscal decretada pelo (seu) governo, ficando-se pelos 5%, enquanto os trabalhadores a recibo verde só em impostos e outras contribuições fixas vêem-se, pelo mesmo governo, extorquidos em cerca de 50% daquilo que recebem no final do mês.
O capitalismo e a sua ideologia neoliberal alcançaram até hoje muito poder, assentes na destruição de valores humanos tanto materiais como espirituais. Mas não são todo-poderosos, e nem sempre conseguem empenhar-se como desejariam a cavar divisões entre os pobres, porque eles mesmos, envoltos nas suas próprias contradições, também se dividem de quando em vez, tal como acontece atualmente entre Ricardo Salgado, Ricciardi e o governador do Banco de Portugal. E, porque o espírito de Natal não morreu, se, da cadeira do seu império, o capitalismo, a sua ideologia e o seu governo porventura se desequilibram, poderá o povo surpreendê-los com a vontade e o empenho de construir um mundo novo a sério, como diria o poeta António Aleixo...
Boas Festas e um Feliz Natal.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 21 de dezembro de 2014

mario_abrantesExceção feita (por agora) à cobertura informativa do inquérito parlamentar em curso sobre o BES, o país anda a ser literalmente toureado, por agentes do entretenimento político, com o episódio da prisão de Évora, a propósito de quem lá vai ou de quem não vai visitar o detido, se aquele já foi ou quando irá, se o homem é inocente ou culpado, se o seu estado de espírito é este ou aquele. Enquanto isso vão os (garantidamente) inocentes, ou seja os portugueses, sendo efetivamente aprisionados a ditames cerceadores de direitos, liberdades e garantias, pela mão de autores (à solta) de crimes económicos e sociais de lesa pátria, orquestrados com os propósitos da oligarquia financeira nacional e internacional.

Mas o país também já está a ser toureado pela pré-campanha eleitoral da qual merece destaque, digna do Guiness da hipocrisia política, a declaração de Passos Coelho afirmando que o seu governo e de Portas está a "acabar com os donos do país", quando os factos todos os dias os desmentem através da revelação de uma profunda, ilegítima e quase estrutural subserviência do poder político ao poder dos grandes grupos económicos, por onde circulam livremente interesses promíscuos mais ou menos criminalizáveis juridicamente, mas seguramente criminalizáveis ética, económica, social e politicamente.

Ainda no país irreal destas touradas, pontifica uma ministra das finanças que se afirma capaz de obter uma super-coleta de impostos em 2015 e que, esgrimindo com tal argumento, aparenta confrontar as impertinentes e inaceitáveis intromissões de Bruxelas exigindo de Portugal, para o próximo ano, ao abrigo do Tratado Orçamental, mais "esforço orçamental" e mais "medidas estruturais", ou seja, mais austeridade e mais impostos para conter o défice, mais desregulação laboral e menos investimento público...

Mas o discurso da senhora ministra, revelando além do mais alguma inépcia da oradora, cedo escorrega na realidade objetiva da política que está a ser seguida pelo seu governo, quando, abandonando o tom otimista, entra em total contradição com a sua pretensa contestação a Bruxelas afirmando que "custe o que custar" e "tenha quem tiver razão" Portugal sairá em 2015 da "zona do défice excessivo". Ou seja, para além da continuidade das restrições e do aumento da carga fiscal já constantes do Orçamento para 2015, se for necessário tomar novas medidas de austeridade e adotar nova legislação para colocar o défice abaixo dos 3% no próximo ano, isso será feito "custe o que custar" e "tenha quem tiver razão"...

Dum país real que baixa drasticamente os rendimentos a quem produz, empurra para o limiar da pobreza mais de 2 milhões dos seus habitantes e, como diz Adriano Moreira, já caiu na "fadiga fiscal", nunca será possível sacar uma nova super-coleta de impostos. Mas, em face dessa impossibilidade, seria obviamente mais um nefando crime procurar em alternativa penalizar ainda mais os seus habitantes com novas medidas restritivas e de empobrecimento a acrescentar às já aprovadas para o próximo ano pela coligação no poder.

Nenhum deles tem razão portanto. Nem o Tratado Orçamental, que já devia estar suspenso, nem a ministra, mais os seus parceiros de governo, que, a bem da Nação, já deviam ter abandonado há muito os lugares que ocupam...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 15 de dezembro de 2015

mario_abrantesO fechar do ano em que se comemora o 40º Aniversário da Revolução de Abril, por um lado, e o anúncio da abertura ao entendimento à esquerda, no Congresso do PS, por outro, suscitam-me as seguintes questões:

O pluralismo, a paz, os direitos políticos, sociais, laborais e culturais, a autonomia regional e a independência nacional, conquistados com Abril, voltaram hoje a ser abertamente ameaçados pela subversão programada por mão de jovens descendentes ideológicos do obscurantismo salazarento, suportados pelos mesmos de outrora. Mas entretanto, há mais de 30 anos, o país foi sendo amarrado a tratados não sufragados, no âmbito da UE, impregnado pelo cinzento manto do pensamento único e pela necessidade inevitável de garantir a entidades sem alma, a que chamaram de banca ou troika ou BCE ou FMI, aquilo com que podem contar hoje e amanhã, em troca da perda da garantia presente e futura da estabilidade, segurança e qualidade elementares da vida dos portugueses, cujo direito Abril houvera restaurado. Em toda esta derrapagem sucessiva de Abril, de que forma se posicionou o PS?

Quando, em conexão com os valores de Abril e a Lei Fundamental, face aos avanços contra-revolucionários, se volta a desenhar como imprescindível um efectivo controlo público sobre a banca comercial, logo os arautos, no governo português, da oligarquia financeira transnacional se destemperam e gritam que "esses tempos não voltarão mais", exalando ódio ao 25 de Abril e ressuscitando o papão anti-comunista. Estará, neste caso, a nova direção nacional do PS disponível para se distanciar de tais posições?

Quando se torna razoável preparar o país para uma eventual saída do euro, como questão estratégica para o retorno ao crescimento económico sustentado e socialmente útil, e para uma política patriótica e de rotura com a submissão incondicional a interesses externos, como Abril consagrou, logo os obscurantistas do presente se afoitam a tentar demonstrar que uma tal alternativa está fora de questão. O que pensa disto a nova direcção do PS?

Quando, tendo pelo seu lado a Constituição e os valores de Abril, mas enfrentando a pressão sufocante sobre o défice público, imposta pelo Tratado Orçamental, e de uma dívida externa monstruosa, sempre crescente e bloqueadora do investimento produtivo e do desenvolvimento, se aponta como inevitável a recusa do primeiro e a renegociação de montantes, prazos e juros da segunda, logo atroam as vozes do poder e os comentadores a elas atrelados que a credibilidade externa de Portugal se perderia por completo. E o que tem a dizer sobre o assunto a nova direção do PS?

Para romper com o devastador, vexatório e intolerável modelo económico e social que nos está a ser imposto, e para encontrar uma solução alternativa democrática e de esquerda, não é possível contornar ou fugir às questões essenciais aqui colocadas. Estará a nova direção do PS disponível para trabalhar conjuntamente nesta solução?

Oriundos de diferentes quadrantes, que não só do PCP ou BE, e forjados na resistência e no combate às políticas direitistas dos governos dos últimos 37 anos, muitos outros vêm convergindo nestes pontos de vista, movidos por propósitos semelhantes. Tal como a contra-revolução prossegue atentando contra os valores de Abril e contra a Constituição, esses valores continuam no essencial, 40 anos depois, a constituir o cimento para que esta convergência se consolide, avance e finalmente consiga romper com a política de desastre nacional que está a ser seguida em Portugal.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 3 de dezembro de 2014

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