Entrevistado por João Goulão para o jornal digital "Jornalistas sem Fronteiras" um trabalhador alemão que participava numa manifestação recente contra as políticas de austeridade em Bruxelas afirmava com carradas de razão: - "Quer coisa mais revoltante do que saber que um grupo como o Deutsche Bank, sustentáculo da política que Merkel impõe a toda a Europa (sobretudo aos mais pobres), beneficia de impostos inferiores a 2% negociados com o governo do Luxemburgo?"
Pois é, e isto graças ao envolvimento em processos de evasão fiscal do recém-nomeado presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, enquanto era primeiro-ministro do governo luxemburguês, cargo donde saiu aliás, como já tive oportunidade de referir num artigo anterior, empurrado pela suspeita de envolvimento na organização secreta "gladio" que chegou a estar ligada a ataques bombistas.
Temos aqui uma demonstração inequívoca de como é urgente analisar e reestruturar a dívida pública já que, como se verifica, a evasão fiscal apadrinhada do Luxemburgo é uma das vias agora descoberta pelas quais está a ser surripiada aos estados uma importante fatia da sua coleta potencial de impostos às grandes empresas e instituições financeiras, obrigando aqueles a um maior endividamento externo pela mão exatamente dos mesmos que posteriormente determinam as políticas de austeridade que sufocam os cidadãos e as economias nacionais.
Acrescentando o exemplo paradigmático da entrada sem concurso para o Banco de Portugal do inexperiente recém-formado filho de Durão Barroso, temos aqui a demonstração clara que a corrupção, o compadrio e o neo-liberalismo estão de mãos dadas oficialmente instalados nas principais instâncias políticas europeias a proporcionar, com a participação ativa da maioria dos governos nacionais, em particular dos chamados países periféricos como o nosso, um fluxo ininterrupto de benefícios acrescentados ao rendimento dos que já são mais ricos e economicamente poderosos, e um outro fluxo contínuo e simultâneo de esbulho aos rendimentos do trabalho e aos que já estão obrigados a passar seis meses por ano a ganhar só para liquidar a sua fatia dos impostos.
Segundo o inquérito ao emprego do INE no ano transato, para além da elevada taxa de desemprego que subsiste, em Portugal já são 1,11 milhões de trabalhadores por conta de outrem (quase um terço dos 3,7 milhões atuais) a ganhar entre 310 e 600 euros mensais. E chega a cerca de 50% o número de trabalhadores a ganhar menos de 750 euros mensais. Há novos empregos sim, nalguns sectores, mas com remunerações mais baixas para o mesmo tipo de trabalho, e desempregados a voltarem a trabalhar por muito menos do que antes auferiam. O que é que isto quer dizer? Mão-de-obra qualificada cada vez mais barata e precária, sustentada pela persistência de altos níveis de desemprego.
É isto que pretende o neo-liberalismo dominante na União Europeia, personificado em Portugal pelo Governo PSD/CDS. A isto igualmente conduz a versão mais "light" recentemente tornada pública por António Costa. Mas não é isto que serve à indispensável reanimação do mercado interno, ao crescimento económico sustentável, nem à esmagadora maioria dos portugueses...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 15 de novembro de 2014