Há dias, um político cuja trajectória cronológica da esquerda para a direita é bem conhecida, Vital Moreira, veio a público defender que o acordo comercial entre os EUA e a União Europeia, conhecido como TTIP, deveria ser assinado nos Açores, desta vez em Ponta Delgada.
Desde logo a primeira apreciação crítica vai para esta forma retorcida de apresentar a questão, pressupondo como adquiridos tanto a bondade do acordo como a fatalidade da sua assinatura, quando na verdade nem essa assinatura está dada como adquirida, nem existem matéria e conhecimento público consensuais sobre o teor de tal acordo, apenas se sabendo que as questões nele abordadas poderão ter forte e prolongado impacto futuro tanto a nível mundial, como nacional e regional. Logo corre-se novamente o risco de estarmos com os olhos vendados, tal como na invasão do Iraque, a assinar de cruz um compromisso que entretanto poderá trazer consequências catastróficas a curto e médio prazo para nós e para todo o planeta.
A minha segunda apreciação crítica vai para o facto de as negociações do TTIP terem vindo a decorrer de forma secreta desde Junho de 2013, de tal forma que aquilo que hoje se sabe sobre elas só foi possível saber-se através de fugas de informação, tendo estado até ao momento vedado o debate público e aberto que naturalmente se impunha numa negociação deste quilate e com tais implicações entre dois tão importantes grupos de países que se autoproclamam de democráticos.
E o que as fugas de informação nos trazem (as últimas foram recentemente desvendadas pela organização Greenpeace), confirmam as piores suspeitas...
A nível regional, desde logo se adivinha pela concorrência que passará a ter luz verde, o afundamento definitivo do sector leiteiro, bem como a liberalização potencial dos recursos marinhos ou da soberania sobre a nossa ZEE, e o menosprezo a que ficarão votadas as nossas especificidades.
Com âmbito mais geral, as notícias são igualmente pouco animadoras. A desregulação ambiental furando as normas europeias actualmente bem mais proteccionistas que as americanas. O ataque à saúde pública nomeadamente pela liberalização dos produtos transgénicos e pela livre comercialização de produtos agro-alimentares sujeitos a critérios inferiores de qualidade e sanidade e oriundos a preços mais baixos da super-subsidiada agricultura americana. A legitimação permissiva, pelo recurso a tribunal internacional, da submissão das soberanias políticas dos países às grandes multinacionais e aos seus interesses, em caso de conflito ou no respeitante à privatização de serviços públicos em áreas como a educação, a saúde ou a água.
Artigo de opinião de Mário Abrantes