Opinião

mario_abrantesEm 2 de Abril de 1976, foi aprovada pela Assembleia Constituinte, eleita por voto universal direto e secreto (pela primeira vez utilizado no pleno sentido da palavra, após a ditadura), a Constituição da República Portuguesa. Coincidindo com o aniversário da cidade de Ponta Delgada, passaram portanto ontem 38 anos da data em que se transpuseram para letra de lei as conquistas históricas consagradas pela revolução de 25 de Abril de 1974.

Depois de várias revisões a que foi sujeita, a matriz democrática e progressista da Constituição Portuguesa permanece intacta.

Mas hoje está no poder central em Portugal, suportado por um Presidente conivente, um governo anti-patriótico de que faz parte um partido, o CDS, que votou contra a Constituição, coligado com um outro que, apesar de ter votado aquele documento em 76, já ensaiou sem êxito em diversos processos de revisão constitucional desvirtuar a sua matriz original, o PSD.

Entretanto, pela mão do PS, PSD e CDS, Portugal chegou à União Europeia e ao Euro, tendo subscrito com outros países, sem qualquer consulta aos portugueses, uma série de tratados que condicionam e alienam, parte significativa da soberania nacional. Também sem eleições para o efeito (ao contrário do que aconteceu com a Constituinte portuguesa), tais tratados pretendem abusivamente consagrar e fazer cumprir uma constituição europeia que em maior ou menor grau condicionaria e obrigaria mesmo à alteração da Constituição da Republica, tal como já foi insinuado aquando da tentativa de fazer incluir no seu texto os limites do défice público determinados pela UE.

Sendo totalmente ilegítimo e inaceitável, como tem atestado o Tribunal Constitucional, não há todavia razões para estranhar, pelo que foi exposto, que o atual poder central se tente movimentar ignorando e desrespeitando de forma reiterada e em múltiplas áreas a Lei Fundamental portuguesa.

Em nome de interesses externos, múltiplos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados estão a ser alvo de claras tentativas de violação a partir da própria área do poder que lhes jurou fidelidade.

Ataques aos direitos constitucionais dos trabalhadores, promovendo o desemprego, o corte nos rendimentos e a precariedade, fazendo baixar os custos do trabalho a níveis próximos da indignidade (menos de metade da média da UE). Ataques aos direitos constitucionais à saúde, à escola pública, à segurança social, à justiça e à segurança, para beneficiar interesses privados e alienar património público rentável a preços de saldo. Violação do princípio da igualdade acentuando as desigualdades sociais, através do aumento da exploração, dos lucros, dos impostos e dos custos dos serviços públicos essenciais. Ataque sistemático à Autonomia. Ataque ao direito à informação através da instrumentalização da comunicação social em obediência ao poder político e económico. Sufoco à fruição cultural.

Em nome dos interesses do país e do seu povo, em defesa da Constituição, temos assim pela frente um combate democrático difícil, como diz bem o deputado comunista António Filipe, "para que o justo descontentamento provocado por estas políticas antidemocráticas não conduza a sentimentos de repúdio para com o regime democrático em si mesmo".

A troika e os executores das políticas com ela acordados não são um produto da democracia, antes pelo contrário, eles representam os agentes subversivos desta e da Constituição que o 25 de Abril gerou.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 3 de abril de 2014

mario_abrantesQuando o pensamento único impera quase como dogma, neste caso como consequência direta do domínio oligopolista e financeiro sobre o poder político, este último, torneando a democracia, não resiste à tentação de investir contra a livre opinião e a liberdade de expressão dos cidadãos.

Nessa linha veio o senhor Presidente da República, no bom estilo das conversas em família de Marcelo Caetano, desaconselhar os cidadãos a falar dos problemas nacionais na campanha para as eleições europeias, pretendendo retirar do debate pré-eleitoral a situação calamitosa que os portugueses enfrentam e, sob o hipócrita apelo a consensos senis, tentar amaciar as divergências profundas existentes entre as diversas forças políticas quanto ao rumo que está a ser imposto ao país. Segundo a insidiosa sugestão presidencial, servindo aliás de oportuna capa protetora ao governo do PSD e do CDS para abafar transitoriamente os novos cortes já em gestação (ardilosamente pré-anunciados pelo bruxo de serviço à comunicação social Marques Mendes), só as questões europeias seriam válidas para o próximo debate eleitoral...Era só o que faltava! Apetece perguntar ao preocupado senhor que se diz Presidente de todos os portugueses porque é que, aquando da aprovação de tratados europeus que viriam a condicionar de forma profunda a vida de todos, como o Tratado de Lisboa por exemplo, o poder político em Portugal, incluindo o governo PS de então, fugiu a sete pés do debate público e da opinião referendada dos portugueses acerca do seu conteúdo...

Mas também sobre a renegociação da dívida ou a possibilidade da saída de Portugal do euro, é muito perigoso falar do assunto porque isso poria em causa o bom nome de Portugal perante os credores ou os mercados...Outro alerta condicionador da opinião que tem sido martelado com insistência pelo atual poder político e pelos seus comentadores de serviço. Era só o que faltava! Será sempre da firme disposição em falar sobre tais assuntos que se poderão descortinar os caminhos alternativos para o país, e que será possível, como se diria na tropa, pôr em sentido os nossos parceiros políticos e económicos de forma obrigá-los a negociar connosco sem a sobranceria e a desconsideração com que, graças ao comportamento submisso do atual governo da república, nos olham e nos impõem os seus ditames.

Finalmente, também nesta investida contra a liberdade de expressão e usando agora o pretexto duma outra liberdade, a de imprensa, aí está a tentativa, através de um projeto legislativo do PSD e CDS, de alteração à lei eleitoral, visando desregular as regras essenciais à proteção do princípio da igualdade no tratamento das diversas candidaturas por parte da comunicação social no período eleitoral. Era só o que faltava! Está-se mesmo a ver qual a igualdade de tratamento que, à rédea solta durante a campanha, os órgãos de comunicação social, na generalidade ligados aos grupos económicos que têm suportado este governo e o PS, iriam dar às candidaturas que não pactuam com o pensamento único do neo-liberalismo europeu e que, por vontade expressa dos seus agentes no país, é o responsável primeiro da política de austeridade; pela existência de ¼ da população portuguesa em situação de pobreza e, desses, um milhão de afectados por graves carências incluindo alimentares.

40 anos depois de Abril, os portugueses querem-se novamente pobres e calados? Era o que mais faltava!

Se as eleições europeias servirem para castigar politicamente os seus algozes ou para defender a reestruturação da dívida e questionar a presença de Portugal na zona euro, será isso um problema, ou o princípio da solução?

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 26 de março de 2014

Fomos habituados nos últimos anos, com particular incidência (e em escala mario_abrantesalargada) após o acordo de desastre tripartido assinado com a troika, a ser assaltados de forma praticamente indefesa e sem necessidade de arrombamento, isto é, por via institucional, em cada recanto do país ou condição da nossa vida. Seja enquanto simples cidadãos, ou profissionais, ou condutores, ou viajantes, ou pequenos empresários, ou consumidores, ou habitantes, ou estudantes, ou professores, ou doentes, ou idosos, ou reformados, ou, ou..., nenhuma algibeira do nosso modesto casaco, a qualquer hora, dia ou mês, tem escapado ao assalto descarado do poder, atualmente pelas mãos do PSD e do CDS, com o exclusivo fito (após filtrada toda a demagogia) de satisfazer credores de uma dívida que não pára de aumentar.

É de um tal programa de vergonhoso sucesso que a vassalagem do primeiro-ministro de Portugal foi dar esta semana conta à auto-nomeada imperatriz da União Europeia.

Mas deixemos por uns momentos os comentários ao assalto de longo alcance e olhemos para o lado e para bem mais perto de nós onde iremos descortinar um outro assaltozinho a juntar ao mais avantajado, mas desta feita perpetrado por agentes do poder doméstico em Ponta Delgada.

Ponhamos o olho na fatura da água e saneamento desde janeiro do corrente ano e vamos descobrir um pequeno mundo de amostras, autênticas biópsias, colhidas sobre o rendimento dos pontadelgadenses.

A água nesta fatura faz quase a vez da pedra na famosa sopa. À volta dela multiplicam-se cobranças de vária ordem que lhe dobram o valor, algumas delas só justificáveis mesmo (após filtrada toda a demagogia) para assaltar o já depauperado contribuinte.

Refiro-me por exemplo ao aumento para o dobro da taxa de saneamento (de 4,32 para 8,64 euros) sob a falsa justificação de que se trata de uma penalização apenas aplicável a quem tem acesso mas não está ligado à rede, para forçar a respetiva ligação. Trata-se de um verdadeiro embuste, já que quem está ligado à rede também paga o dobro. E se quiser provar que está ligado (ligação que fez às suas custas) para não ter de pagar o dobro, simplesmente lhe pedem para assinar um contrato de utilização pela módica quantia de 100 euros. Ou seja, o munícipe ou paga o dobro, mesmo estando ligado, ou paga a pronto um contrato no valor equivalente ao dobro pago durante mais de um ano...

Refiro-me também à introdução dos escalões de RSU (lixo) indexados aos escalões da água. Quem consome mais água não produz forçosamente mais lixo. Quem precisa de regar o quintal ou de dar banho às crianças, e também faz compostagem ou vai colocar o lixo na reciclagem, poderá estar a gastar mais água mas estará forçosamente a produzir menos lixo para a recolha doméstica. Ora, a partir de janeiro, este munícipe além de pagar a água a mais que efectivamente consome, vê-se obrigado sem qualquer razão a pagar lixo a mais que nunca produziu...

Nenhuma destas situações, para já não falar das receitas do IMI, faz qualquer sentido a não ser para arrecadar a frio mais dinheiro aos munícipes pontadelgadenses. E por mais que estes escondam as carteiras, basta que lhes venha a sede, para não escaparem a mais um assalto continuado e perfeitamente legalizado, executado por passoscoelhinhos e portinhas amadores de bairro, à pala da satisfação de uma necessidade básica elementar para qualquer um: o consumo de água.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 21 de março de 2014

mario_abrantesOs partidos parlamentares que têm estado a governar a democracia estão, como afirmou recentemente o jornalista inglês John Pilger à BBC, "votados à doutrina de cuidar dos ricos e combater os pobres".

"Em lugar das corporações através do Estado terem obrigação de responder perante o povo, é o povo que deve submeter-se e responder a um Estado corporativo". Para o jornalista, esta negação da democracia real "constitui uma mudança histórica."

De facto constata-se em muitas das chamadas democracias europeias que o poder legislativo resultante de eleições democráticas se encontra cada vez mais alienado a corporações representativas de interesses económicos e financeiros (interesses de classe portanto vestindo a capa do interesse geral) em substituição das velhas corporações da indústria e profissionais que sustentavam o regime fascista italiano e em que se inspirou o regime fascista português.

Como foi possível à Democracia absorver este novo corporativismo através de eleições, já que o mesmo sempre sobreviveu antes, necessitando do recurso às ditaduras?

Simplesmente porque os partidos parlamentares que têm ascendido ao poder por maioria eleitoral (PS, PSD, CDS) se foram corrompendo e coabitam hoje com a visão minimalista da Democracia onde apenas sobrevive o direito de voto e a liberdade formal de expressão, renegando com cada vez maior desfaçatez o caráter social, económico, cultural e ambiental, bem como o caráter participativo, que constituem as restantes componentes basilares da Democracia, e se entregam de corpo inteiro às corporações financeiras e à tarefa prioritária (a que chamam de único caminho possível) de "cuidar dos ricos e combater os pobres"...

E aí está o presidente eleito de uma Democracia a insinuar que os jovens são calões e deviam ir cavar terra em vez de emigrar, ou que o empobrecimento e as dificuldades a suportar pela maioria estão para durar mais 20 anos. Aí está um ministro a dizer que as pessoas estão mal mas o país está bem. Aí está um outro ministro a cortar nos medicamentos para os doentes cancerosos. Aí está um capitalista financeiro, dos mais ricos entre os ricos, a dizer que os trabalhadores produzem pouco e por isso merecem salários baixos, enquanto um outro da mesma estirpe vê perdoada uma multa de um milhão de euros. Aí estão à solta uma série de outros que defraudaram o Estado em 8 mil milhões de euros enquanto o primeiro-ministro da Democracia diz que os cortes nos salários e nas pensões, mesmo inconstitucionais, vão deixar de ser provisórios para passarem a definitivos.

Só é possível vislumbrar o fim da coexistência de um tal pântano político com o arremedo a que chegou a Democracia, ou procurar uma solução diferente daquela que impõe aos portugueses continuarem por mais 20 anos a passar dor e sofrimento, se a maioria parlamentar que governa o país perder uma boa parte da confiança que lhe deram os governados em atos eleitorais passados.

Na linha da sensatez daqueles que defendem a urgência da renegociação da dívida pública para libertar o país da nova amarra corporativista que o sufoca, nunca também o voto sensato e consciente dos portugueses se tornou tão urgente e decisivo como contributo democrático para atingir um tal desiderato.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 13 de março de 2014

mario_abrantesA geração que viveu a revolução de 1974 "Não soube politizar os seus filhos...Eu não aprendi na escola como é o nosso sistema de segurança social e o sistema fiscal. O que é a diferença entre esquerda e direita...Se as pessoas têm medo de falar de política em casa, não podem estar à espera que os filhos vão para as manifestações...Eles não sabem história..." Assim tenta explicar Capicua, uma rapper portuguesa, a aparente passividade da geração nascida depois de Abril perante a negra situação que se vive no país.

Diria que para além de eventuais culpas da geração de Abril, existe a própria realidade de hoje a condicionar a politização dos seus filhos.

A história é importante e não se ensina, a escola é importante e não explica, os pais têm medo de falar de política e deveriam fazê-lo, aliás como o fizeram pelos vistos os pais de Capicua e todos aqueles a quem o 25 de Abril não passou simplesmente ao lado. Mas mesmo que se ensinasse a história e se explicasse as coisas na escola e em casa, faltaria sempre a realidade determinante de hoje e aquilo em que ela se distingue da de ontem, a obrigar a uma aprendizagem comum, tanto dos pais como dos filhos, para que possa ser enfrentada de forma interventiva por ambos...

A geração de Abril não tinha a história (salvo a dos manuais oficiais) para aprender, e em casa ou no trabalho era expressamente proibido falar de política, contudo derrubou a ditadura. Como o conseguiu? Porque teve a guerra colonial, a polícia política e o fascismo como fontes de aprendizagem.

Depois da revolução, com a liberdade e a democracia, veio também a paz, o pão, a educação a saúde e a justiça, mas a geração de Abril não estava suficientemente politizada para se defender daqueles que logo no dia 26, de cravo ao peito e gritando vivas ao socialismo, já conjeturavam sobre as formas de sabotar as conquistas históricas do povo português e de resgatar o domínio político perdido. E foi todo esse percurso, atravessando as etapas marcantes da adesão à UE e ao euro, prosseguido até hoje com a ajuda externa, que nos reconduziu de novo à exploração, à pobreza, miséria e desemprego, e que de novo faz dos mais ricos ainda mais ricos, ou, como foi recentemente noticiado, consegue que 60% das empresas cotadas na bolsa em Portugal mantenham ligações políticas com os partidos que têm exercido o poder.

Com honrosas exceções, faltou à geração de Abril assimilar um saber que, exactamente por isso, nunca poderia transmitir aos filhos. É que liberdade e democracia com paz, pão, saúde, educação e justiça não combinam com o grande capital nem com o condomínio do poder económico e do poder político.

Além disso, este último conseguiu pela sua própria prática de promiscuidade entre o interesse público e privado, ou pelo uso frequente dos cargos políticos para benefício de grandes grupos e veículo de transição para cargos privados altamente remunerados, que os cidadãos das novas gerações se desmotivem da actividade política e vejam um corrupto em cada interventor político, qualquer que ele seja e pertença a que partido pertencer.

Falta poIs às novas gerações assimilar que, ao contrário de repudiá-la, só pela intervenção política sistemática (também partidária, institucional e governativa) contra o neo-liberalismo capitalista, corporizado pela acção dos partidos que têm estado no poder nas últimas décadas, é possível inverter o atual rumo do país. Como suporte de aprendizagem, aí está o desemprego massivo, o agravamento das injustiças sociais, o empobrecimento e a emigração compaginados com a captura da independência política pela banca internacional e a ausência de perspectivas de futuro que o presente oferece...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 6 de março de 2013

Subcategorias