Opinião

mario_abrantesNa zona atualmente mais depressiva do mundo, a União Europeia, existe a moeda que mais se valoriza. Isto é um absurdo, provocando a perda de competitividade da produção europeia face aos mercados concorrentes e condenando à recessão os países da periferia, como Portugal.

O saldo das transferências entre Portugal e a UE já é negativo, ou seja, o que entra em fundos comunitários já é menos do que o que sai em dividendos e lucros (devido às privatizações) mais os juros da dívida (devido ao acordo com a troika). Como diz Carlos Carvalhas isto representa a medida real da perda da soberania portuguesa, a qual não se recupera, como (mentindo) afirma o vice primeiro-ministro Portas, com a saída da troika em 2014.

Desde a adesão de Portugal ao Euro, a formação bruta de capital fixo (a criação de riqueza) caiu 42% em termos reais. O produto interno (PIB) no final de 2013 recua para o nível de 2002 e, pelos dados oficiais, já estamos no terceiro ano consecutivo de recessão. Entre 2010 e 2013 o custo do trabalho (excluindo a sobrecarga do aumento dos descontos obrigatórios) desceu 13%, acompanhando a descida dos salários, do consumo interno e do investimento. O desemprego deixa de crescer devido à emigração mas mantém-se em valores insuportáveis. As exportações sobem, mas se excluirmos os combustíveis, elas já se igualam às importações. Além dos impostos, as únicas subidas absolutas e consistentes nas condições atuais são a dívida (já vai em 130% do PIB) e o seu serviço (já consome 10% das receitas do Estado), bem como o número dos muito ricos e a riqueza de cada um deles...

Não existe portanto nenhuma recuperação económica sólida senão na propaganda. A saída limpa da troika, com este governo e esta política, será sempre suja e, com mais ou menos detergente, nunca tirará Portugal do fundo do poço. Segundo o insuspeito Álvaro Dâmaso ela apenas tem um significado e será para o governo: a perda de um alibi para a austeridade...

Mas na eminência de eleições para o Parlamento Europeu, é hora de tentar abafar estas verdades e vê-los todos juntos à volta do "essencial". É hora de redistribuição de mordomias, de garantir lugares e de ratificar as grandes linhas orientadoras deste rumo nefasto e insano imposto ao país. Os desavindos ou desalinhados fazem saber que foi tudo para inglês ver e que até agora andaram foi a entreter os portugueses com as suas opiniões pseudo-independentes ou até opostas à governação do barco. Na fila da frente dos regressantes aí estão os Marcelos Rebelos de Sousa ou os Miguel Relvas, repescados do Brasil, a prestarem vassalagem à linha única. Mas também o CDS, ao engolir a sua candidatura autónoma para agora se achar muito bem a concorrer coligado com o PSD. E não ficamos por aqui. Eis que o candidato do PS ao Parlamento Europeu, Francisco Assis e o crítico António Costa resolvem aceitar o convite de Passos Coelho, dizendo que o seu partido deverá chegar ao consenso com a direita. Até Carlos César (sobre o livro de Eduardo Paz Ferreira, "A Austeridade Mata? A Austeridade Cura?") criticando, e bem, a política de austeridade, ensaiou a quadratura do círculo ao fazer a apologia incondicional do euro e do MEE (Mecanismo Europeu de Solidariedade), consagrando como "regra de oiro" um dos instrumentos de imposição da própria austeridade.

Na eminência de eleições para o Parlamento Europeu é hora sim de procurar uma saída regrada que envolva a renegociação séria duma dívida insustentável e que questione se necessário, em nome do interesse dos cidadãos e do país, a permanência de Portugal na zona euro.

É hora sim de juntar todos, mesmo todos, sem quaisquer discriminações políticas ou ideológicas, que queiram ver este governo pelas costas...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 25 de fevereiro de 2014

mario_abrantes"As associações de deficientes não podem depender apenas do favor do Estado", afirmou o primeiro-ministro Passos Coelho a semana passada em entrevista à RTP-1.
Desta frase, começamos por destacar a mentirinha subtil da hipotética dependência exclusiva, já que, como os próprios deficientes e suas famílias bem sentem na pele, nunca as associações de deficientes dependeram exclusivamente do Estado. Mas o acento tónico da falácia vai no entanto direitinho para a gravidade do pressuposto, vindo da boca do 1º ministro de um Estado de Direito, de que o apoio estatal às associações de deficientes constitui um "favor" em lugar de uma obrigação. Trata-se de um conceito profundamente errado e usurpador das funções sociais do Estado, das quais todos deveríamos ser beneficiários na medida das necessidades, e para as quais todos, enquanto Estado, contribuiríamos na medida das possibilidades.
Esta vontade tremendamente injusta de relaxe das obrigações do Estado para com as associações de deficientes não é circunstancial, ela faz parte antes de um complexo de ações governativas de conteúdo ideológico bem definido desenvolvidas por uma clique que subiu ao poder e que tem vindo a promover de forma mais ou menos torpe, com mais ou menos justificações enganadoras, a subversão geral do conceito de serviço público, em particular o social, através da redução sistemática da sua importância, mas sem largar mão do conceito contributivo que lhe é complementar, promovendo antes o aumento sistemático da carga fiscal direta ou indireta sobre a maioria dos cidadãos.
À luz desta política, em paralelo com a saúde e a educação, está-se desenrolando um ataque virulento à Segurança Social Pública debaixo da moldura justificativa da sua falta de sustentabilidade (para cuja divulgação o governo até conta com a preciosa ajuda de certos comentadores pseudo-contestatários como Medina Carreira, por exemplo), visando a respetiva privatização e a sua transformação em mais um negócio rendoso para grandes grupos económicos.
Ora a verdade é que a Segurança Social Pública na parte relativa ao regime contributivo, não depende diretamente do Orçamento do Estado mas sim diretamente dos descontos dos trabalhadores e suas empresas. Na parte relativa ao regime não contributivo, isto é, as pensões sociais, a ação social, etc., aqui sim, são os impostos a assegurar o seu financiamento via transferências do Orçamento do Estado.
No regime não contributivo, no entanto, o que as estatísticas oficiais dizem é que, apesar do agravamento da crise social e da pobreza, as transferências do OGE (ordinárias e extraordinárias) nos últimos seis anos pouco têm aumentado, desmentindo assim qualquer hipótese próxima de rotura. No regime contributivo, apesar do desemprego, da baixa generalizada de salários e do aumento do número de reformados, o facto de em Portugal existirem, por cada pensionista, mais de dois trabalhadores no ativo, e o facto do total dos descontos continuar a crescer, embora crescendo muito menos desde 2008 (não implicando portanto quaisquer transferências do OGE), demonstram a grande mentira daqueles que, visando atacar as funções sociais do Estado com objetivos democraticamente perversos, pretendem convencer a opinião pública de que a Segurança Social não é sustentável.
E se dificuldades existem no chamado regime contributivo isso deve-se, apesar dos cortes na atribuição do subsídio de desemprego, ao aumento das despesas com essa rúbrica, ao aumento do trabalho precário e clandestino e ao acumular de dívidas das empresas para tentar fugir à falência, isto é, à prolongada política recessiva e de austeridade deste governo e à sua chamada disciplina orçamental (já lá vão três anos e a dívida pública sempre a crescer). Uma disciplina que apenas se dirige a uns, a maioria, para logo se diluir em benefícios fiscais e múltiplas benesses financeiras distribuídas por outros, poucos, e uma política que, segundo afiançou recentemente a ministra das Finanças aos seus patrões da UE, já não tem retorno e é para continuar além da troika...mas, perdoar-me-á a sra. Ministra lembrar-lhe, uma "disciplina" e uma política que são para acabar assim que o povo quiser!

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 23 de fevereiro de 2014

mario_abrantesO défice ficou abaixo do previsto em 2013 mas o produto interno bruto continuou a descer, isto é, a riqueza produzida continuou a descer e a dívida pública a aumentar (já vai em 130% do PIB). Milagre económico? A retoma está de volta? Não! Simplesmente mais mentiras e campanha para as eleições europeias de 2014. Não! Simplesmente uma grande colheita fiscal em 2013 sobre quem trabalha (só de IRS foram 3,2 mil milhões de euros, cerca de 35% do crescimento da receita) e a contribuição extraordinária sobre quem descontou do seu trabalho e agora vive da sua pensão.

Se o PIB continuar a descer ou mesmo se apenas estagnar em 2014, o que pode acontecer se se tiver em conta o efeito recessivo dos cortes salariais na função pública e o acréscimo aos cortes nas pensões, então como garantir a não ultrapassagem do défice previsto para 2014? Com outro milagre? Mas sobre quê? Mais subidas de impostos? Mais complementos em cima dos complementos extraordinários sobre as pensões? Mais cortes brutais e cegos na saúde (400 km de ambulância em coma induzido a ser rejeitado pelos hospitais públicos?) e na educação (para enriquecer a mafia do ensino privado?).

Perante os anunciados sinais de recuperação, era suposto que abrandasse o caminho de sacrifícios que nos garantiram ser transitório e com a única finalidade de pôr as finanças do país em ordem, mas, pasme-se, não é isso que parecem insinuar o ministro Marques Guedes, a Ministra das Finanças e o 1º Ministro, quando afirmam todos à uma que, mesmo depois da troika, e mesmo depois de "finalmente estarmos a recuperar", a austeridade não irá abrandar. Afinal, mesmo sem troika, é para continuar a aplicar a receita da troika e garantir mais receitas extraordinárias com novas privatizações feitas sob pressão de tesouraria (veja-se, no seguimento dos CTT, agora já se atiram ao sector das águas), porque o crescimento económico afinal continua a ser uma incógnita, e o "esforço de ajustamento" é para deixar de ser transitório e passar a contínuo. A campanha para as europeias daqueles que se afoitam em segurar votos nas (incómodas) eleições deste ano fica-se então pela mentira da retoma e pela insignificante mas magnânima salvaguarda de ponderar a hipótese da reposição em 2015 de "alguns" dos feriados eliminados em 2013...

Assim se humilha todo um povo. "Só faltam três meses para nos livrarmos da troika" diz o vice-primeiro ministro, qual imaginário "honoris dux" gritando para os caloiros: "já só têm de rastejar mais três meses sobre a lama...". Efetivamente este Governo, na relação que mantém com os portugueses simboliza muito do que as praxes têm de retrógrado, reaccionário e mesmo de aculturamento fascizante. É a ignorância a arrebanhar as vítimas, ensaiando sobre elas exercícios de humilhação, abuso e violência enquanto as embebeda e elogia o seu espírito de sacrifício.

Por mais difícil que pareça a muitos dos atingidos por estes políticos e por esta política, torna-se imperioso e urgente arredá-los a ambos do poder. Para isso é decisivo aumentar em número e em acções, incluindo o uso do voto livre e consciente, a participação daqueles que lutam para alcançar tal objectivo.

E, como alguém dizia, é preciso que deixemos de basear essa participação nas probabilidades de sucesso, para que o sucesso se torne realmente possível...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 7 de fevereiro de 2014

Excluindo a diminuição (fictícia) da dívida pública devido à alteração da base de mario_abrantescálculo do PIB português, a semana não correu bem à área do poder.

Olhamos para um lado e observamos escancarado o disparate público de quem, tentando de forma enviesada impedir uma lei de ser aprovada, não consegue agora desenvencilhar-se do novelo em que se enredou com a história de um referendo sobre adoção por casais do mesmo sexo. Falo do Primeiro-Ministro e destas suas distracções, salvo no caso dos trabalhadores ou dos reformados, em deixar de lado as preocupações com as despesas do Estado, tal como aconteceu ao efectuar o que considerou ter sido uma boa venda dos CTT porque não foi..."acima dos valores do mercado"!

Olhamos para o lado do poder simulado de opinião pública e vemos um trafulha desmemoriado que tendo feito o mal de que acusa outros, opina em vários sentidos para tentar empurrar a vida política para sentido nenhum. Estou a falar de Marques Mendes, o tal que, segundo denúncia dos OCS, enquanto gerente de uma empresa, em 2010/2011, se meteu a negociar ações por 60 vezes menos o seu valor, lesando o Estado em mais de 750 mil euros.

Olhamos para além-mar e observamos o centralismo saloio do embaixador Catarino que se estatelou ao comprido com a negaça que o Tribunal Constitucional deu à sua torpe tentativa de chumbar o Orçamento dos Açores. Estou a falar, por interposta pessoa, no Presidente da República, e do seu ódio à Autonomia que desta vez saiu claramente vencedora.

Mas, não sei bem porquê, não exulto nem com estes desaires nem com a descida (conjuntural?) dos juros da dívida, porque entretanto vejo-nos chegados ao ponto 0 da opinião crítica, onde a política prossegue servindo interesses, antes inconfessáveis, que se vão tornando cada vez mais claros por falta de vergonha, enquanto se valoriza cada vez menos o que efectivamente importa para a vida da maioria dos portugueses.

Enquanto se desvaloriza o acentuar sem precedentes das desigualdades sociais a favor de uma minoria concentracionária da riqueza, constituída por privilegiados e corruptos que tomaram posições na malha do poder seja económico versus político ou político versus económico. Enquanto se desvaloriza a chuva cumulativa de cortes nos rendimentos de quem trabalha ou de quem já trabalhou. Enquanto se desvaloriza o alastrar da fome e da doença, e o colapso em catadupa das pequenas e médias empresas. Enquanto se desvaloriza a ofensiva geral dirigida à baixa unilateral dos custos do trabalho através da destruição massiva de postos de trabalho (criando-se um imenso exército de desempregados), acompanhada psicologicamente pela recuperação de teses bafientas como: "O rendimento mínimo é para sustentar malandros", ou "Senão trabalhas dado é porque és preguiçoso"...Enquanto se desvaloriza a chuva de cortes que tem caído sobre os funcionários públicos a partir de 2010, já lhes tendo retirado em média 15 a 20% do salário, subsídios de férias e de natal, lhes vai subindo as contribuições para a CGA e ADSE, a sobretaxa do IRS, a passagem para as 40 horas semanais, e agora cai com a intensidade máxima sobre os salários acima dos 675 euros.

É um outro mundo este, cuja expressão não só opinativa como, e sobretudo, politicamente vinculativa, terá de vir pela mão e pela ação de quem o frequenta e suporta, mais do que pela mão e pela acção de quem insiste em afirmar que dele recebeu mandato para o representar...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 24 de janeiro de 2014

mario_abrantes"Um belo dia em 2014, quando os salários forem mais baratos até aos limites do terceiro-mundo, quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o factor determinante do produto, quando tiverem ajoelhado todas as profissões, quando tiverem treinado a juventude na arte de trabalhar quase de graça, quando tiverem uma reserva de milhões de desempregados dispostos  a serem polivalentes, móveis e moldáveis, então a crise terá acabado.

Um belo dia em 2014, quando se tenha conseguido reduzir o sistema educativo em 30% de estudantes sem deixar traço visível da façanha, quando a saúde se compre e não seja oferecida, quando o nosso estado de saúde se pareça com a nossa conta bancária, quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, por cada prestação, onde as pensões sejam tardias e baixas, quando estivermos convencidos de que precisamos de um seguro privado para garantir as nossas vidas, então anunciar-nos-ão que a crise terá terminado.

Nunca em tão pouco tempo se terá conseguido tanto. Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas também como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só, ficarmos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados, ingredientes sem os quais o terreno que tão facilmente ganharam estaria novamente em disputa."

Estratos daquelas que considero, a meu ver, constituírem interessantes previsões para o novo ano, de Concha Caballero (filóloga e professora de literatura numa escola pública de Córdoba em Espanha), relacionadas com o móbil, intentos e objectivos que se escondem por trás da crise, em parte artificialmente provocada, e que estão na cabeça tanto do alto comando político-económico europeu, a que provavelmente a autora se referia, mas seguramente também na cabeça do governo português.

Nenhum dos objectivos formais anunciados para 2013 por este último foi cumprido, como não foram nos anos anteriores. Nesse aspeto a falha é total, mas, pelos vistos, no essencial tanto o governo como a troika estrangeira pouco se têm preocupado com isso, pois, como já aconteceu em 2013, com mais uns sacrificiozinhos programados para 2014 tudo se resolverá, e assim se chegará ao que realmente almejam e que, mesmo escondendo-o expressamente, pouco terá de diferente das previsões da professora andaluza.

No ano em que se irão comemorar os 40 anos da Revolução de Abril, permito-me no entanto duvidar, no caso português, da possibilidade de todos esses objectivos que norteiam efetivamente a conduta do governo se virem a materializar em 2014, nomeadamente o "triunfo da resignação e da cobardia".

Certamente muitos se resignarão e se acobardarão por algum tempo, tal como durante os 48 anos da longa noite fascista. Mas nessa altura, com avanços e recuos, a resistência e a luta nunca pararam e foram decisivas para o enlace revolucionário que, de surpresa, destruindo os planos de continuidade marcelista do regime, simplesmente o derrubaram em Abril de 1974.

Também estes planos de recuo civilizacional de mais de 30 anos poderão cair, surpreendendo os seus fautores, porque a massa dos portugueses continua, como se verificou em 2013, levedada pelo fermento da resistência e da luta. E por muito que se tenha perdido, como de facto se perdeu, Abril não morreu, indicando-nos a possibilidade real de subverter (e mesmo inverter) a continuidade do empobrecimento e do aumento das desigualdades programada por aqueles que se apossaram do comando dos nossos destinos colectivos, tanto em Portugal como na Europa...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 8 de janeiro de 2014

PREVISÕES E IMPREVISTOS

Um belo dia em 2014, quando os salários forem mais baratos até aos limites do terceiro-mundo, quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o factor determinante do produto, quando tiverem ajoelhado todas as profissões, quando tiverem treinado a juventude na arte de trabalhar quase de graça, quando tiverem uma reserva de milhões de desempregados dispostos  a serem polivalentes, móveis e moldáveis, então a crise terá acabado.

Um belo dia em 2014, quando se tenha conseguido reduzir o sistema educativo em 30% de estudantes sem deixar traço visível da façanha, quando a saúde se compre e não seja oferecida, quando o nosso estado de saúde se pareça com a nossa conta bancária, quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, por cada prestação, onde as pensões sejam tardias e baixas, quando estivermos convencidos de que precisamos de um seguro privado para garantir as nossas vidas, então anunciar-nos-ão que a crise terá terminado.

Nunca em tão pouco tempo se terá conseguido tanto. Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas também como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só, ficarmos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados, ingredientes sem os quais o terreno que tão facilmente ganharam estaria novamente em disputa.”

Estratos daquelas que considero, a meu ver, constituírem interessantes previsões para o novo ano, de Concha Caballero (filóloga e professora de literatura numa escola pública de Córdoba em Espanha), relacionadas com o móbil, intentos e objectivos que se escondem por trás da crise, em parte artificialmente provocada, e que estão na cabeça tanto do alto comando político-económico europeu, a que provavelmente a autora se referia, mas seguramente também na cabeça do governo português.

Nenhum dos objectivos formais anunciados para 2013 por este último foi cumprido, como não foram nos anos anteriores. Nesse aspeto a falha é total, mas, pelos vistos, no essencial tanto o governo como a troika estrangeira pouco se têm preocupado com isso, pois, como já aconteceu em 2013, com mais uns sacrificiozinhos programados para 2014 tudo se resolverá, e assim se chegará ao que realmente almejam e que, mesmo escondendo-o expressamente, pouco terá de diferente das previsões da professora andaluza.

No ano em que se irão comemorar os 40 anos da Revolução de Abril, permito-me no entanto duvidar, no caso português, da possibilidade de todos esses objectivos que norteiam efetivamente a conduta do governo se virem a materializar em 2014, nomeadamente o “triunfo da resignação e da cobardia”.

Certamente muitos se resignarão e se acobardarão por algum tempo, tal como durante os 48 anos da longa noite fascista. Mas nessa altura, com avanços e recuos, a resistência e a luta nunca pararam e foram decisivas para o enlace revolucionário que, de surpresa, destruindo os planos de continuidade marcelista do regime, simplesmente o derrubaram em Abril de 1974.

Também estes planos de recuo civilizacional de mais de 30 anos poderão cair, surpreendendo os seus fautores, porque a massa dos portugueses continua, como se verificou em 2013, levedada pelo fermento da resistência e da luta. E por muito que se tenha perdido, como de facto se perdeu, Abril não morreu, indicando-nos a possibilidade real de subverter (e mesmo inverter) a continuidade do empobrecimento e do aumento das desigualdades programada por aqueles que se apossaram do comando dos nossos destinos colectivos, tanto em Portugal como na Europa…

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